#12_o coração tem mais quartos que uma pensão de putas*
Colagem de mini ficções, O amor nos tempos do cólera e DOZE MESES dessa busconírica
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Conto disso pra te fazer entender que sua presença é parte de tudo aqui. Conto por te ver no meu olhar, te guardar e conservar feito tesouro. No meu jardim tem uma estátua de você, rodeada de gérberas, suas preferidas. Conto enquanto construo o monumento de mim, enquanto colo minhas partes com laca e ouro. So that when the moment comes, i can say i did it all with love. Vou leve, independente do rumo, como Paul Banks cantou: vou easy, vou de boas. Gosto de ter você me acompanhando, mas vê: a gente se faz companhia enquanto se leva de leve assim, bem perto, guardado feito flor na lapela, feito lenço no bolso: quentinho. E a gente se leva feito peito que pulsa quente, e feito suco de manga verde, assim, que dá água na boca só de lembrar.
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Falei sobre o quanto seu cheio me capturou. E de dormir sentindo seu aroma em mim. Foi só depois de uma semana que percebi que o cheiro era meu: daquele creme novo que comecei a usar exatamente no dia em que te conheci.
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acende a luz, pega o isqueiro.
um trago na escuridão da noite e na claridade dos pensamentos.
e do seu quarto
vazio.
here is the light,
oh, let it shine trough me
oh, let it burn.
and burn.
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Amo a certeza de que seremos ótimos dançando juntos.
Amo também a possibilidade disso nunca acontecer.
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Carreguei o caderno pra todo lado, acompanhado de caneta preta: não suportaria escrever sobre você em azul. Escrevi sobre você de caneta vermelha também. Em azul não, não permito que tire o azul de mim, nesse caso ele é todo meu. Um capricho, eu sei, mas se eu não puder manter o azul, o que vai restar de meu nessa história?
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eu quis o mesmo que você naquela noite. eu quis não saber o que estava fazendo. eu quis abraços, quis contato, quis calor e proximidade. eu quis aqueles beijos, e toda a sonolência e embriaguez. quis mais um dia de sorrisos e caretas. quis suas maldades e seus encantos. não ter que dormir. quis não dormir. quis amanhecer sentindo seu olhar em mim enquanto me distraía com seus lábios. quis saber mais que o superficial e o instantâneo. saber o que estava por baixo da máscara de ódio e nervosismo. viver um amanhecer ao seu lado. quis ser mais Cecília que Lisa. mais Cecília que Jack's wasted life. mais Cecília que qualquer outro alter ego.
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falta o estrago que cê fez nesse meu corpo.
o estrago que cê deixou em mim.
faltam suas mãos e suas pernas
e sua boca
aberta.
falta seu corpo
por perto.
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Sou seus olhos amanhecendo enquanto a lua nasce. Sou você buscando em mim algum sentido. Sou a privação dos seus desejos nesse lugar distante de mim. Sou seus dentes afiados, seus olhos dispersos. Sou. Somos. Seremos. Seremos o gosto de metal que não tem gosto de metal e sim de fome por mais um trago do que ainda não tem nome. E quando você vem me ver, eu sou o que você quer ver. E quando você vem, eu sou. Nossas conversas e nossas promessas. Nossa vontade de sermos mais que um amor de verão, que durou três estações. Sou o que você quiser e puder. Amar.
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Os inquilinos vêm e vão, mas guardo as mobílias, quadros e livros deixados para trás. Guardo memórias e histórias, e amor. Guardo os amores em todos os tempos verbais. Não tem medida ou hierarquia. Guardo o que faz bem, ou fez, guardo o bem que virá também, sem saber de quem. Guardo por ser resolução das tensões do agora. Levo comigo. Guardo o futuro em cada memória e em cada palavra escondida na profundidade, esperando pra ser pescada pela caneta.
*O título dessa cartinha vem do livro “Amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez:
“Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma. Solitário entre a multidão do cais, dissera a si mesmo com um toque de raiva: o coração tem mais quartos que uma pensão de putas.”
Depois de terminar o livro da Herta, comecei o ano com essa releitura. Meu primeiro contato foi aos 15 anos: à época, o personagem de Florentino Ariza alugou um casarão na minha cabeça. Casarão esse que ficou por muitos anos sendo decorado, com limpeza e manutenção em dia. Firme e forte, uma referência do que era O AMOR {em caps lock} pra mim.
Com o tempo, a imagem do final do livro foi se apagando, assim como a de Fermina Daza. Lembrava do cheiro de aspargos na urina do Dr. Juvenal Urbino e também da promessa feita a Fermina de nunca entrarem berinjelas na casa, mas era basicamente isso. A releitura revelou que aquele casarão estava não só abandonado como em pedaços, e que eu não estava muito a fim de reconstruir. Pelo menos não daquele ponto, aquela não era mais minha referência.
Demorei pra enviar essa cartinha por causa da travessia que precisei fazer nos territórios do meu coração. Encontrei as mini ficções que ofereço nessa edição, mas também encontrei algumas construções que seguem firmes, que foram forjadas na vivência e não na idealização romântica que Florentino construiu de princípio em mim. Construções habitadas e muito vivas e que não são exatamente pensões de putas, mas contêm muitos quartos sim. Essa história eu contarei na próxima edição, pois essa é uma investigação que ainda não concluí. Fermina e Florentino, em suas finalizações de trajetória, vêm me auxiliando, mas precisei da ajuda de outros guias, precisei também reviver algumas Anas que estavam em estado de dormência e, por deus, haja energia pra essa jornada.
Ao completar doze meses desse projeto mensal cuja construção atravessa minha rotina, percebo que minha proposta inicial de explorar o mundo onírico precisou de trajetos menos óbvios, e de esforços que eu não calculava; fico bem feliz por isso. Agradeço a você que me acompanha desde o começo, você que chegou ontem e a você que nem chegou ainda, mas que em algum momento vai ler o relato desse meu experimento.
O sonhar é coisa complexa, assim como quem sonha, assim como a coragem de quem insiste em continuar vivo independente da realidade que teima em tirar de nós a vida. Assim como quem insiste em amar, assim como as partes de mim que, apesar dos últimos meses muito sofridos e dolorosos, encontrou amor. Não tem sido fácil, sabe, mas os espelhos que encontrei no caminho, principalmente nesses últimos meses, têm me oferecido chão, têm me oferecido estrutura e acima de tudo: me permitido receber o amor que tenho ofertado ao mundo nos meus breves 31 anos. Amar é coisa linda demais da conta, mas receber e acolher o amor que chega “de volta” é magia pura!!!
Bom, nos vemos no próximo mês, na continuação dessa jornada que me propus a fazer no território do coração.
Deixo uma enquete:
E também uma playlist (no youtube) do que pulsou musicalmente em mim na construção dessa cartinha e com todas as canções que citei indiretamente nessa edição.
Você pode entrar em contato comigo respondendo a esse e-mail, ou comentando via substack. Se acanhe não, viu?!
Abraço forte! Nos vemos de novo no mês que vem :*
Então foi por sua causa que li Herta. Que livro! Eu tinha baixado no Kindle e esqueci. Li no começo do mês e sigo inebriada. Obrigada pela indicação e pela edição de hoje. Um arraso.
Ana! Essa carta me pegou muito, por vários motivos.
1) paul banks, né minha linda???? por favor! perfeição!
2) as tuas ficções amorosas reverberaram aqui, sabe? eu que ando na travessia entre dor e abertura à recepção de afeto
3) o amor nos tempos de coléra é um dos clássicos que tenho vontade de reler também. quem sabe?
um bêjo!